GLAUCO DINIZ DUARTE – Desistir do apartamento na planta? Veja se vale a pena
Quase um terço dos brasileiros que tentaram comprar a casa própria em 2014 teve de abandonar o projeto pela metade. Até 30% dos contratos de compra e venda de imóveis na planta foram rescindidos no ano passado, segundo a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH).
Casos desse tipo triplicaram em relação a 2013, quando a taxa de distratos ficou em aproximadamente 10%. As rescisões podem ficar ainda mais frequentes em 2015, considerando que a Caixa Econômica Federal elevou os juros do financiamento imobiliário de 9,2% para 11% ao ano, o que encarece essa forma de crédito. O aperto financeiro provocado pela inflação crescente também deve estimular os rompimentos de contrato neste ano.
Quando não há atraso na entrega do imóvel por parte da construtora, o principal motivo para os pedidos de distrato é a reprovação do financiamento imobiliário pelo banco, o que, na prática, obriga o comprador a desistir do imóvel caso não tenha recursos próprios para prosseguir com a compra. O problema é que, até receber essa negativa, o consumidor pode já ter pagado até 30% da casa ou apartamento à construtora.
Pouca gente presta atenção nesse detalhe, mas, em geral, as construtoras atualizam o saldo devedor dos imóveis pelo INCC, índice cuja variação costuma ficar acima da inflação.
Com isso, as prestações do financiamento bancário podem ficar altas demais para a sua renda, inviabilizando a liberação do crédito pelo banco, principalmente se o consumidor já tiver outro comprometimento financeiro — como um empréstimo pessoal ou financiamento de carro. “Antes de assinar o contrato, o comprador deve lembrar que o montante a ser quitado futuramente, seja com recursos próprios, FGTS, consórcio, seja com financiamento habitacional, será maior do que o descrito no contrato”, diz Lúcio de Queiroz Delfino, diretor da ABMH.
O designer Gesiel Dias, de 42 anos, diretor de uma agência de comunicação visual no Rio de Janeiro, foi um dos que precisaram devolver o imóvel. Com o atraso da incorporadora na entrega da casa, foi ficando difícil conciliar as prestações do imóvel novo com o aluguel do apartamento onde morava. Com a ameaça à saúde financeira da família, Gesiel optou pelo distrato. “Procurei um advogado e o caso está na Justiça, porque quero reaver tudo o que investi, até os gastos extras com moradia e reparos no apartamento que alugo”, diz Geisel.
Quando a rescisão do contrato ocorre por causa de atraso da construtora, é possível reivindicar a devolução integral do montante pago. Mas, quando a decisão parte do comprador, a incorporadora pode cobrar multa de 10% a 15% do valor investido. “Mas é preciso ter cuidado porque muitas construtoras tentam cobrar percentuais maiores, calculados sobre o valor total do imóvel”, diz Lúcio, da ABMH.
Além disso, a devolução do dinheiro pode demorar. “É difícil prever um tempo médio para reaver o dinheiro quando o processo está na Justiça”, afirma Marcello Ferioli Lagrasta, advogado de São Paulo. “É indicado tentar uma solução amigável antes de recorrer à Justiça”, diz ele.
Alternativas
Foi considerando esses fatores que a pedagoga Trícia Thomé Abrahão, de 34 anos, e o analista de sistemas Paulo Eduardo Abrahão, de 36, de Campinas, acabaram optando pela revenda do imóvel comprado na planta – em vez do distrato – quando perceberam que precisariam de um apartamento maior, por causa da chegada do segundo filho. “Pensamos no distrato como primeira alternativa, mas vimos que, com a multa, perderíamos uma parte do dinheiro gasto na entrada e nas prestações”, afirma Trícia.
Após um período de 10 meses, o imóvel foi vendido. “Conseguimos recuperar tudo o que havíamos gasto”, diz a pedagoga. Por enquanto, o casal alugou um apartamento maior, mas, até o fim do ano, espera retomar o sonho da casa própria.
Para evitar o sofrimento e a perda de dinheiro de uma compra malsucedida, o caminho é fazer um planejamento de longo prazo. Nele, o comprador deve avaliar se o imóvel atende aos planos da família para os próximos anos, em termos de tamanho e localização, e se as parcelas cabem de fato no orçamento. “As pessoas só olham o valor da prestação na fase da construção e esquecem que o resto do saldo a pagar será corrigido”, afirma Jansen Costa, planejador financeiro, do Rio de Janeiro.
Dá para reduzir esse risco fazendo, com o banco, uma simulação do financiamento que leve em conta o índice de correção do contrato. Para quem negligenciou esse planejamento e já considera o distrato, vale analisar cuidadosamente se ele é a melhor alternativa. Afinal, se é para abrir mão do sonho da casa que seja para sair do sufoco e recolocar as contas no azul.
Saiba como reduzir o risco de precisar rescindir o contrato mais tarde
Observe o índice pelo qual o saldo devedor do apartamento ou da casa será corrigido e faça uma simulação no banco para saber se o valor das parcelas é compatível com sua renda. Geralmente, após a entrega das chaves, as parcelas ficam mais caras do que quando o imóvel está na planta.
Analise se as prestações não vão comprometer mais do que 30% da renda familiar e se cabem no orçamento quando somadas às demais despesas que você já tem.
Lembre-se de que compromissos financeiros anteriores, como financiamento de carro e empréstimo pessoal, podem dificultar a liberação do crédito imobiliário.
Desconfie se a construtora prometer aprovar a venda mesmo se o cliente tiver o nome sujo. Para ela, a restrição ao crédito não é um risco — afinal, as chaves só serão entregues se o pagamento for totalizado. Mas o nome sujo é um empecilho à obtenção do financiamento bancário.
Planeje a compra do imóvel bem antes de ela ocorrer e, se possível, faça uma reserva. A recomendação é poupar 5% do valor do imóvel só para as taxas que deverão ser pagas na entrega das chaves, como despesas com escritura, contrato de financiamento e imposto sobre transmissão de bens.