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GLAUCO DINIZ DUARTE  As novas formas de construir uma moradia no século 21

Como é a casa dos seus sonhos? Diante dessa pergunta, uma bela imagem dos contornos do imóvel e do local onde estaria deve ter vindo à sua mente. Mas você já imaginou que ela poderia ser levantada em questão de horas ou dias – quando muito em dois meses –, com paredes de isopor, metal ou madeira, que seria desmontável e remontável, talvez construída por uma impressora 3D, ou até feita para flutuar? Pois prepare-se para essas e muitas outras ideias! São grandes as chances de que sua próxima casa ou apartamento seja feito de um jeito bem diferente do sistema convencional de alvenaria – tijolo, cimento, muita água, sujeira, desperdício e falta de controle no orçamento e no prazo de entrega.

O século 21 e a consciência ambiental estão abrindo espaço para novas formas de construir, que afetam também a forma de viver das pessoas. Cada nova técnica, à sua maneira, pretende combater os problemas ambientais gerados pelo setor da construção civil, que, de acordo com estimativas, responde por 50% dos resíduos sólidos gerados pelas atividades humanas no mundo. Para o Conselho Internacional da Construção (CIB), esse setor é o maior consumidor de recursos naturais e de energia de forma intensiva.

 

O avanço acontece a passos lentos e depende muito da postura de cada um de nós. A aceitação de algumas dessas ideias é delicada, na experiência de Silvio do Nascimento e Beth Forbes, do Studio + Arquitetura e Urbanismo, de São Paulo. “Os painéis de isopor, ou poliestireno expandido (EPS), por exemplo, enfrentam resistência, porque as pessoas pensam na delicadeza desse material. Mas não é assim. É uma casa sólida, que pode receber pregos e armários nas paredes e ainda oferece um maior conforto acústico e ambiental (de temperatura)”, comenta Beth.

Trabalho rápido

Os painéis de fato são de isopor, mas têm uma densidade muitíssimo maior do que aqueles comprados nas papelarias. As placas são encomendadas nos tamanhos exatos para montar as paredes. A obra consiste em uma base de concreto com ferragens em determinados pontos. As partes chegam de caminhão, são encaixadas e parafusadas às ferragens. Depois são recobertas com uma malha de ferro e recebem uma camada de argamassa com uma máquina de jateamento. “Recentemente levantamos uma casa de 130 m2 em cinco dias, incluindo as partes elétrica e hidráulica”, lembra Nascimento.

As técnicas do wood frame e do steel frame seguem lógica semelhante à do EPS. São estruturas, respectivamente, de madeira de reflorestamento certificada e de aço galvanizado 100% reciclável, altamente resistentes a furacões e terremotos, e mais seguras contra incêndio – preocupações cada vez maiores devido às mudanças climáticas. O aquecimento global e os eventos climáticos extremos levantam questões importantes sobre as habitações futuras dos seres humanos e contribuem para o surgimento de soluções criativas, inteligentes e sustentáveis, como as casas flutuantes ou anfíbias. Elas tratam a água antes e depois de ser usada para manter a harmonia com o ambiente em que estão inseridas.

Outra opção inovadora são as construções em contêineres. Tais obras dão vida nova a esses grandes caixotes de metal, que se transformariam em resíduos, e são muito versáteis. Os contêineres podem ser empilhados, formando edifícios, transportados de um endereço a outro, e são capazes de abrigar ambientes de alto padrão ou servir como solução emergencial – como se tem visto, por exemplo, em assentamentos de refugiados na Europa.

Desconstrução nacional

Conhecidas como obras secas (por usarem pouca água), limpas (porque produzem pouquíssimo entulho) e rápidas (por serem montadas a partir de peças pré-fabricadas), as alternativas apresentadas já são muito utilizadas nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Mas no Brasil ainda são incipientes. Os grandes gargalos desses novos sistemas aqui estão na mão de obra especializada e na mentalidade do mercado imobiliário.

“Esse mercado é muito fechado e está mais interessado em assegurar retorno aos fundos de investimento”, afirma o arquiteto Rodrigo Mindlin Loeb, professor da Universidade Mackenzie. “Em muitos casos, esses fundos encobrem investidores fantasmas, como narcotraficantes, líderes corruptos… Mas ninguém está muito preocupado, o que é um problema ético muito profundo.”

Durante um ano, Loeb insistiu em buscar parcerias para construir empreendimentos sustentáveis e conversou com mais de 40 incorporadoras e construtoras, de todos os portes. Nenhuma delas demonstrou interesse. “Já estão com as máquinas organizadas e trazendo resultados”, afirma Loeb. Elas argumentaram ainda que os desafios de legalização e de comercialização já eram bem grandes da forma como funcionam hoje, e qualquer mudança representaria muito mais esforço.

Se o interesse pela sustentabilidade não está tão atrelado quanto deveria aos benefícios ambientais gerados, o retorno financeiro das chamadas “construções verdes” já começa a atrair a atenção do mercado. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, um empreendimento com certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), concebida e concedida pela ONG Green Building Council (GBC), tem valorização de 4% a 8% na venda. Um estudo da Geoimóvel, empresa de software voltada para o mercado imobiliário, comprovou que os prédios com essa certificação apresentam tempo de vacância 7% menor na cidade do Rio de Janeiro e 9,5% menor em São Paulo, além de valorização no metro quadrado e menor custo de condomínio.

O GBC foi fundado em 2001 nos EUA para fomentar a indústria de construção sustentável com certificações, cursos e eventos nessa área. No Brasil desde 2007, ele já conta com 459 construções certificadas de todos os tipos e quase 1.300 registros em busca do selo. O Brasil é o quinto de 165 países com mais edifícios certificados, logo após EUA, China, Índia e Canadá.

Custo-benefício

Além das vantagens mercadológicas e financeiras, a boa notícia é que estudos já comprovam o impacto positivo do espaço construído sobre a saúde, o bem-estar e o conforto das pessoas que o ocupam – seja a trabalho, estudo, lazer ou para viver. “Estudos recentes apontam que somente 10% das doenças que adquirimos ao longo da vida são de causa genética. Os outros 90% são adquiridos conforme a vida que levamos: alimentação, atividade física e ambientes que frequentamos. Atualmente, vivendo nas cidades, em 90% do nosso tempo estamos dentro de edifícios (casa, escola, trabalho, shopping)”, resume Agatha Carvalho, coordenadora técnica do GBC Brasil.

Levantamentos internacionais da ONG indicam que edifícios certificados garantem: uma produtividade entre 2% e 16% maior em escritórios; 20% mais rendimento e melhores notas em escolas; altas mais rápidas em hospitais; e mais vendas por metro quadrado no comércio. Isso porque aspectos como ventilação, temperatura interna, distribuição dos espaços, vista para fora, ergonomia dos ambientes e materiais utilizados afetam a saúde das pessoas e influem nas sensações que os espaços produzem nelas. Quando essas questões são mal resolvidas, o ambiente pode causar doenças físicas e mentais em seus ocupantes.

Construir imóveis mais sadios para as pessoas e amigáveis em termos ambientais pode até custar um pouco mais caro, hoje em dia. Entretanto, enquanto o acréscimo no valor da obra é reduzido, o retorno na operação e manutenção do edifício é considerável e o impacto positivo na qualidade de vida das pessoas que o ocupam, expressivo. Construir de modo mais consciente pode adicionar até 6% ao total pago no projeto e obra em relação aos métodos convencionais, segundo levantamento do GBC.

Agatha lembra, porém, que a obra representa apenas 15% dos custos de um empreendimento em todo o seu ciclo de vida, considerando uma duração de 45 a 50 anos. Os 85% restantes são de manutenção e operação (luz, água, energia, reformas). Usar os elementos naturais de forma adequada – insolação, luminosidade, ventilação, reaproveitamento de água, etc. – garante custos operacionais mais baixos no longo prazo. No caso dos edifícios certificados, registraram-se 30% de redução na conta de energia, 35% menos emissões de CO2, consumo de água de 30% a 50% menor e diminuição de resíduos entre 50% e 90%.

Se, mesmo frente a esses exemplos e evidências, você ainda mantiver um apego pelo tijolo, saiba que até eles evoluíram. Os chamados tijolos ecológicos têm baixa pegada de carbono, porque não são levados ao forno a lenha, como os convencionais. Seu formato permite o encaixe sem argamassa e possui espaço interno para passar a fiação e o encanamento. Tudo isso reduz o tempo de construção e o desperdício de material, além de oferecer maior conforto ambiental (temperaturas internas mais agradáveis no calor e no inverno). É hora de repensar como construímos nossas vidas.

Entendendo o conceito

O que seria uma construção do futuro mais responsável com o meio ambiente e mais sustentável? O arquiteto Rodrigo Mindlin Loeb destaca oito aspectos fundamentais. A construção deve:

  • Ter noção de comunidade. O projeto tem que estar integrado à vida das pessoas, com acesso a serviços e transporte público

  • Usar a maior quantidade possível de recursos naturais renováveis (luz, ventilação, retenção de água da chuva, etc.)

  • Consumir uma quantidade de energia mínima para sua operação no dia a dia

  • Não gerar resíduos futuros. Se tiver outro uso ou sofrer demolição, tem de se desmaterializar: todas as partes devem ser 100% recicláveis ou 100% reaproveitáveis, sem deixar lixo para gerações futuras

  • Ter manutenção planejada, com possibilidade de se renovar, se repor e de se transformar. Um edifício precisa ser flexível o suficiente para reagir às mudanças climáticas e também adotar materiais com impacto cada vez menor

  • Contribuir para melhorar o microclima local, gerando energia, produzindo alimento, gerindo a própria água

  • Funcionar como um ecossistema, reagindo e aprendendo com o clima

Material de ponta

Apesar de todos os materiais modernos disponíveis hoje no mercado, a madeira ainda é o melhor do mundo. “Em todos os sentidos é o material do futuro. Fomos muito predatórios na sua exploração, mas agora temos controle da proveniência da madeira”, afirma o arquiteto Silvio do Nascimento. Dois fortes exemplares dessa tendência sustentável são: o TallWood House, o prédio mais alto de madeira do mundo, residencial estudantil de 18 andares da Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver (Canadá), inaugurado este ano; e o projeto da Triptyque Architecture, cujos 13 andares serão construídos totalmente com madeira de origem 100% certificada, em 12 andares, com 4.700 m2 de área total, na badalada Vila Madalena, em São Paulo.

Pequenas e sustentáveis

Com um déficit habitacional de 12 milhões de casas, o Brasil enfrenta um desafio muito grande de desigualdade. A maioria da população vive em situação de vulnerabilidade, a construção informal impera e o governo responde a esse problema com uma fórmula ultrapassada: o selo Minha Casa Minha Vida. “É um descaso. Não é porque é uma residência simples e pequena que não pode ser bem desenhada. Se ela fosse pensada por arquitetos, poderia ser mais econômica e dar uma vida mais digna a essas pessoas”, afirma a arquiteta Beth Forbes. Exemplo disso é o condomínio residencial Somos Todos Imigrantes, idealizado pela ONG Orientavida e projetado por David Ito para abrigar refugiados chegados ao Brasil. Composto por 32 casas de 52m2 feitas em EPS, ele terá tratamento local de todo o esgoto e reúso da água em irrigação, limpeza e sanitários. A construção está em processo de certificação com o Green Building Council.

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